
Pix, Rua 25 de Março e redes sociais: o que está na mira da investigação comercial que os EUA abriram contra o Brasil

O documento que detalha a investigação comercial aberta pelo governo dos Estados Unidos contra o Brasil cita de Pix a redes sociais, passando por desmatamento ilegal a práticas de corrupção. Esses e outros itens serão alvo de apuração do Escritório do Representante do Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês), que abriu o processo e vai determinar se as práticas listadas são consideradas desleais.
A investigação é mais uma medida do cerco que Trump está montando contra o Brasil. O governo americano também já anunciou a imposição de uma sobretaxa de 50% a partir de 1º de agosto sobre importações brasileiras.
Pix no alvo
O USTR afirma que o "Brasil parece adotar uma série de práticas desleais em relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a, favorecer os serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo."
O Pix foi lançado oficialmente em fevereiro de 2020, no governo de Jair Bolsonaro, mas vinha sendo desenvolvido há bem mais tempo.
Os brasileiros movimentaram R$ 26,455 trilhões em transferências feitas via Pix ao longo de 2024, segundo dados do Banco Central (BC).
No relatório, o escritório americano mistura a questão dos meios de pagamento com multas impostas a redes sociais americanas que não obedecerem ordens judicias para suspensão de perfis que postam discurso de ódio.
Essas práticas podem "prejudicar a competitividade das empresas americanas que atuam no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico, por exemplo, ao aumentar os riscos ou custos, restringir sua capacidade de fornecer serviços ou realizar práticas comerciais".
Também podem "reduzir a receita e o retorno sobre investimentos dessas empresas, ou impor encargos regulatórios e custos de conformidade adicionais", completa o documento.
Empresas americanas, como Google e Apple, têm suas próprias ferramentas de pagamento.
Comércio popular da 25 de março
O documento cita também a rua 25 de Março, tradicional polo de comércio popular no centro de São Paulo, para criticar as supostas falhas na proteção e aplicação adequada e efetiva dos direitos de propriedade intelectual.
Para o USTR, "a região da Rua 25 de Março permanece há décadas como um dos maiores mercados de produtos falsificados, apesar das operações de fiscalização realizadas no local".
O escritório acusa o Brasil de "não conseguir enfrentar de forma eficaz a ampla importação, distribuição, venda e uso de produtos falsificados, consoles de videogame modificados, dispositivos de streaming ilícitos e outros dispositivos de violação".
Para os EUA, a falsificação "continua sendo generalizada porque operações de apreensão não são seguidas por punições ou sanções com efeito dissuasivo".
Demora na concessão de patentes
Além de considerar frágil o combate à pirataria, os EUA criticam o tempo médio de tramitação de pedidos de patentes, especialmente para pedidos de patentes biofarmacêuticas.
O resultado dessa demora, diz o país, é a redução efetiva do período de vigência das patentes. De acordo com o documento, são quase sete anos de análise, em média. No caso específico das patentes farmacêuticas, são 9,5 anos, considerando o período de concessões entre 2020 e 2024, diz o documento.
Redes sociais
O relatório do USTR cita a decisão do Supremo Tribunal Federal que tornou as redes sociais responsáveis por publicações de usuários que causem danos a terceiros e não sejam removidas, mesmo na ausência de uma ordem judicial para remover o conteúdo.
A decisão altera o artigo 19 do Marco Civil da Internet e se aplica a publicações que envolvam crimes ou atos ilícitos.
"Esse regime pode levar à remoção preventiva de conteúdos e à imposição de restrições a uma ampla variedade de manifestações, além de aumentar significativamente o risco de prejuízos econômicos para empresas de redes sociais dos Estados Unidos", diz o documento do escritório americano.
O relatório cita ainda as ordens emitidas pelo STF instruindo redes sociais americanas a desativar perfis que propagam discurso de ódio. O governo americano chama os autores de "críticos políticos" e frisa que alguns deles são cidadãos americanos.
Acesso ao mercado de etanol
O USTR ressalta que os Estados Unidos enfrentam tarifas mais altas sobre o etanol impostas pelo Brasil num comércio que classifica como "desequilibrado", resultante da decisão do Brasil de abandonar o tratamento recíproco e praticamente livre de tarifas, "que promovia o desenvolvimento de ambas as indústrias e um comércio próspero e mutuamente benéfico".
Brasil e Estados Unidos são os dois maiores produtores de etanol do mundo. Em 2024, os americanos produziram cerca de 60,9 bilhões de litros (cerca de 16,1 bilhões de galões) de etanol, enquanto o Brasil produziu quase 33,3 bilhões de litros (8,8 bilhões de galões) — números que, juntos, representam 80% da produção mundial total do produto.
De acordo com o relatório, o Brasil impôs pela primeira vez uma cota (TQR) de 600 milhões de litros por ano de etanol em 2017, com uma alíquota de 20% sobre as importações que excediam esse limite.
A cota chegou a ser ampliada e a alíquota foi alterada nos anos seguintes. Desde 1º de janeiro de 2024, o Brasil fixou a tarifa sobre o etanol em 18%, valor que permanece em vigor.
Desmatamento ilegal
O escritório americano também cita relatórios que sugerem que o desmatamento ilegal ocorre "em níveis significativos no Brasil" e aponta estimativas de que "mais de um terço de toda a madeira da Amazônia seja de origem ilegal, seja por ter sido extraída ilegalmente de terras protegidas, seja por ter sido explorada sem as devidas licenças e autorizações".
Diz ainda que "há evidências documentadas do uso extensivo de trabalho forçado no contexto do desmatamento ilegal".
O USTR diz ainda que o Brasil "tem aplicado de forma ineficaz as leis e regulamentos ambientais destinados a impedir que madeira ilegal chegue ao mercado". De acordo com o documento que embasará a investigação do escritório americano, produtores que foram sancionados e exportadores que foram multados continuaram vendendo madeira ilegal para os Estados Unidos.
Tarifas preferenciais
O Brasil concede à Índia e ao México um tratamento tarifário preferencial que não é estendido aos Estados Unidos, diz o documento do USTR. Esse tratamento preferencial abrange milhares de linhas tarifárias para o México e centenas para a Índia, com alíquotas entre 10% e 100% inferiores à tarifa de Nação Mais Favorecida (NMF) do Brasil, complementa.
Entre os produtos estão itens agrícolas, veículos e autopeças, minerais, produtos químicos e máquinas.
Em 2023, o Brasil importou aproximadamente US$ 5,5 bilhões em bens com essas tarifas preferenciais — US$ 4,6 bilhões do México e US$ 1 bilhão da Índia. Entre os produtos beneficiados por essas tarifas preferenciais, destacam-se cerca de US$ 1,7 bilhão em veículos e autopeças oriundos do México, alega o escritório americano.
Quase todas as importações brasileiras desses produtos vindos do México foram isentas de tarifas, enquanto as importações provenientes dos Estados Unidos foram submetidas a tarifas que variam de 14% e 35%, afirma o relatório.
Combate à corrupção
O relatório diz que "há indícios de que os esforços do Brasil no combate à corrupção enfraqueceram consideravelmente em algumas áreas".
De acordo com o USTR, há relatos indicando que promotores têm feito acordos "opacos" para conceder leniência a empresas envolvidas em corrupção. Também são apontados conflitos de interesse em decisões judiciais.
O documento cita "um caso amplamente divulgado" sem dizer qual. O caso envolveria suborno de funcionários públicos em projetos públicos e lavagem de dinheiro. O USTR critica "decisões de um ministro do Supremo Tribunal Federal" que anulou as condenações, o que teria levado a críticas generalizadas.
"Evidências indicam que a falta de aplicação das medidas anticorrupção e a falta de transparência no Brasil podem prejudicar empresas americanas envolvidas em comércio e investimento no país, além de levantar preocupações quanto ao cumprimento de normas internacionais de combate ao suborno e à corrupção", diz o relatório.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios